Descrição
Na última década, a Universidade de Coimbra tem trabalhado na utilização da imagem médica como ferramenta de neurorreabilitação. Neste contexto, é essencial encontrar interfaces que permitam perceber como é que o cérebro interpreta determinados estímulos e quais as reações que estes provocam.
Aproveitando as sinergias internas e a experiência adquirida, o projeto Playback the music of the brain – decoding emotions elicited by musical sounds in the human brain, tem como objetivo estudar os correlatos neuronais da música, isto é, a forma como o cérebro interpreta estímulos musicais, encontrando um modelo de codificação entre as dimensões ou atributos da música e as zonas cerebrais relacionadas às emoções que são ativadas quando ouvimos música.
Inicialmente, é utilizada uma base de dados de música pré-catalogada mediante o modelo de Rusell para identificar pela imagem médica, primeiro através da ressonância magnética funcional e, posteriormente, usando a espectrometria funcional com luz infravermelha – fNIRS (menos invasiva e onerosa) as regiões do cérebro (ou circuito cerebral) envolvidas nesse processo.
Numa segunda fase, o trabalho centra-se nas emoções sentidas: o exercício é usar a descodificação do sinal neuronal para descobrir a associação entre audição da música a uma das nove emoções, de acordo com o modelo de Gems Geneva Emotional Music Scale (GEMS), baseado também numa base de dados própria.
Tornando a experiência mais imersiva, o feedback é mais intuitivo e agradável, contribuindo para a melhoria de resultados na neurorreabilitação.
Três lições aprendidas
Os vários modelos usados, a reutilização de bases de dados, externas à instituição (por exemplo, as decorrentes dos modelos) e internas, mas pertencentes a grupos de investigação de outras áreas (é o caso da área da Musical Information Retrieval) e o trabalho colaborativo com outras universidades, nomeadamente com a Universidade de Maastricht que possibilitou criar um dataset bastante compreensivo para o uso da técnica fNIRS (a ser disponibilizado, também, publicamente), resultaram no uso de uma abordagem aos dados transparente e sistematizada.
Impactos da padronização na gestão de dados
A definição de standards para a gestão dos dados em todo o ciclo de vida verificou-se crucial para garantir a consistência e a qualidade do ecossistema, permitindo a validação dos próprios datasets, mas também potenciou o desenvolvimento de ferramentas de processamento de dados com linguagens comuns que podem acelerar drasticamente o processo de investigação.
Relevância do trabalho interdisciplinar convergente
O trabalho convergente de diferentes disciplinas e áreas de conhecimento – música, computação, biomedicina, entre outras, enriqueceu o processo de gestão dos dados e resultou na reutilização de dados partilhados e na partilha de dados recolhidos, possibilitando a comprovação de resultados do processo de investigação e a reprodutibilidade.
Há sempre que aprender!
A participação na definição de um modelo de consentimento informado para a recolha e a utilização de dados de imagem cerebral é apenas um dos exemplos possíveis – no âmbito deste projeto – da expansão de conhecimento e da participação ativa e contínua dos investigadores na gestão de dados de investigação.
Três desafios futuros
A definição de políticas corresponde ao principal desafio!
As soluções técnicas e os standards existem e, como tal, muitos componentes do processo poderiam ser automatizadas, por exemplo, a partir do plano de gestão de dados que, para além de tudo, é uma ferramenta de avaliação e monitorização do próprio Estado em relação à Ciência. Com o desenvolvimento de um plano de gestão de dados, a história pode ficar já toda contada.
Políticas que permitam o investimento por parte dos investigadores nas fases iniciais do ciclo de vida dos dados e na automatização de processos, têm um potencial de rentabilidade exponencial.
A colaboração com instituições-referência na GDI e a interoperabilidade
O trabalho desenvolvido com outras instituições com muita experiência na gestão de dados de investigação exige velocidade de processamento, para que se possa partilhar dados de forma ecológica e com impacto societal. A interoperabilidade é, assim, um elemento-chave para que se possa acompanhar, com consequência, a Ciência desenvolvida em parceria.
O desafio particular na área clínica
No caso da área clínica é premente que a comunidade clínica perceba a mais-valia da gestão de dados de investigação. Apesar da epidemia por COVID-19 ter trazido algumas alterações a este nível e ter tido impacto na abertura de dados, este ainda é um tema com especificidades na biomedicina. Na Universidade de Coimbra, o contexto é mais favorável devido à proximidade com o ambiente hospitalar, mas nem sempre assim é. Contudo e de uma forma geral, nota-se nas gerações mais jovens uma maior sensibilidade para a questão dos dados.
O que muda no nosso cérebro quando estamos a ouvir diferentes tipos de música? Que emoções a música provoca? Que papel pode ter a música na neurorreabilitação?
Projeto
Playback the music of the brain – decoding emotions elicited by musical sounds in the human brain
Entidades
CIBIT, CISUC, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de Aveiro
Investigadores entrevistados
Data da recolha
Maio de 2025
Cinco questões sobre GDI
Como definem, implementam e avaliam as práticas de gestão de dados de investigação?
A definição do plano de gestão de dados funciona como pré-registo do processo de investigação e é essencial. Tornar este momento inicial o mais automatizado permite aumentar eficácia e, também, a transferibilidade, ou seja, a possibilidade de outro grupo de investigação reproduzir o processo, sem ter de voltar a percorrer todo o caminho. A automatização facilita, assim, a interoperabilidade que resulta numa forma mais ecológica de partilha de dados, sem dispêndio de dinheiro para a validação de paradigmas. A avaliação, por sua vez, é um trabalho constante.
Quais os principais benefícios dessa práticas?
Os benefícios da aplicação de (boas) práticas de gestão de dados de investigação são evidentes: desde logo, a sistematização através do uso de standards nas várias fases que permite a automatização de rotinas e potencia a interoperabilidade; por outro lado, imprimem à Ciência transparência, dado que é muito mais fácil e rápido a validação dos dados e a reprodutibilidade da investigação.
Em que medida a gestão de dados de investigação contribui para a otimização do processo de investigação?
A otimização é conseguida através do investimento na fase de planeamento. É nesta fase que a gestão de dados é pensada no sentido da melhoria de forma que seja possível alcançar o paradigma de qualidade pretendido. Garantir este investimento, sempre que a pressão do processo de investigação é, de algum modo, aliviada, é essencial para a otimização posterior!
Que vantagens e condicionantes apontam na partilha de dados de investigação?
No caso particular, a partilha de dados de investigação permitiu a utilização de datasets da área da música para a validação de uma técnica de imagem médica. Quem produziu os dados de música, estaria longe de pensar que os mesmos poderiam ser usados numa área de conhecimento tão distinta, mas a abertura com que os disponibilizou, permitiu essa aplicação: “Este facto completamente aleatório já valida a importância de ter um dataset público”.
De que forma os diferentes atores envolvidos no processo de investigação estão comprometidas com a gestão de dados de investigação?
Os investigadores estão crescentemente envolvidos na gestão de dados, porque encaram-na como uma mais-valia para a sua investigação. Nem sempre, a pressão existente para apresentar resultados permite o investimento necessário na fase inicial de gestão, como seria desejável. Promover uma cultura de gestão de dados é crítico e depende muito dos decisores políticos entenderem esta área como prioritária e, na sequência, aliviar essa pressão para que seja possível gerir dados com a aplicação de boas práticas e num momento muito precoce da investigação, ou seja, ainda antes da aquisição dos mesmos.
No caso da área clínica, a ligação entre a academia e os profissionais de saúde tem vindo a ser reforçada e, apesar de existir ainda alguma resistência, os clínicos mais jovens começam a perceber o potencial da partilha dos dados (bem geridos) e os impactos, em termos de saúde, que essa partilha poderá ter nos seus pacientes.
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