DESCRIÇÃO

O Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB), sediado na Universidade do Algarve, celebra uma década de dedicação exclusiva ao estudo da Pré-História. Combinando trabalho de campo e investigação laboratorial, o centro tem-se afirmado como uma referência nacional e internacional na produção de conhecimento sobre os períodos mais remotos da história humana.

A natureza da investigação pré-histórica implica, tradicionalmente, uma abordagem em que a profundidade temporal se traduz numa maior ênfase na quantificação em detrimento da qualificação. Neste contexto, o ICArEHB integra diversas áreas do saber — como a paleontologia, a antropologia física, a geologia e a biologia — enfrentando o constante desafio de articular dados provenientes de disciplinas distintas. Uma das estratégias adotadas por várias escolas de investigação tem sido a aposta na quantificação e na inferência estatística como forma de integrar e comparar dados heterogéneos.

Contudo, desde o início do século XX, a acumulação de grandes volumes de dados nem sempre foi acompanhada por práticas eficazes de partilha e padronização. A ausência de estruturas comuns — como léxicos, variáveis e formatos de dados — tem dificultado a comparação entre projetos e a reprodutibilidade dos resultados. A partilha de dados, ainda pouco enraizada na arqueologia, começa agora a ganhar tração, impulsionada por iniciativas isoladas, sobretudo nos Estados Unidos, que demonstram os benefícios da ciência aberta, como o aumento da visibilidade e da citação dos trabalhos.

Neste panorama, o ICArEHB tem procurado posicionar-se na vanguarda da ciência aberta, promovendo ativamente a cultura de partilha de dados. Desde 2023, o centro tem implementado uma estratégia estruturada com dois eixos principais: diagnóstico e capacitação.

O primeiro passo consistiu na aplicação de um questionário a investigadores e estudantes, com o objetivo de compreender práticas, perceções e barreiras à partilha de dados. A elevada taxa de resposta revelou uma diversidade de níveis de conhecimento e resistência, muitas vezes associada à perceção de posse dos dados e ao desconhecimento sobre licenças de uso e reutilização.

Em resposta, o ICArEHB organizou uma série de workshops, iniciando em 2024 com uma sessão pioneira sobre partilha de dados em arqueologia, seguida de formações sobre o Open Science Framework, licenças, preprints e outros conceitos fundamentais. Paralelamente, está em desenvolvimento um Manual de Ciência Aberta, que reúne conceitos-chave e boas práticas desde a recolha até à publicação dos dados, incluindo listas de verificação por secção para facilitar a sua aplicação prática.

Mais recentemente, o centro reconheceu que a disponibilização de ferramentas não é suficiente sem a criação de uma cultura institucional de partilha. A publicação científica é apenas a vitrine do trabalho realizado — os dados são o verdadeiro contributo para o avanço do conhecimento. Assim, foram criadas iniciativas como o Dia da Ciência Aberta no ICArEHB, com partilha de boas práticas e a atribuição de um prémio para reconhecer a excelência na partilha de dados.

A motivação contínua é essencial, dado que a partilha de dados exige passos adicionais, como a organização de metadados e a curadoria dos próprios dados. No entanto, já existem exemplos inspiradores, como teses por artigos com todos os dados depositados em repositórios e inteiramente reproduzíveis através de linguagem de programação.

O ICArEHB defende que a formação contínua deve ser uma prioridade estratégica e orçamental dos centros de investigação, não apenas para garantir o acesso aberto às publicações, mas também para capacitar investigadores e estudantes nas práticas da ciência aberta. Neste sentido, o centro participa ativamente em projetos-piloto como o Polen, reforçando o seu compromisso com a transparência, a colaboração e a inovação na arqueologia.

TRÊS LIÇÕES APRENDIDAS

Formação como Pilar da Implementação 

A realização de workshops e sessões de capacitação revelou-se fundamental para nivelar o conhecimento dos investigadores e estudantes. A formação contínua não só promove a literacia em gestão de dados, como também fortalece a confiança na partilha e reutilização responsável da informação científica.

Ferramentas estruturantes facilitam a adoção de práticas

O desenvolvimento do Manual de Ciência Aberta tem-se afirmado como uma ferramenta essencial para orientar práticas consistentes. A inclusão de listas de verificação operacionais permite transformar princípios abstratos em ações concretas, promovendo a qualidade e a reprodutibilidade dos dados.

Avaliação baseada em evidência é essencial!

A aplicação de questionários antes e depois das formações tem permitido medir a evolução do conhecimento e identificar lacunas. Esta abordagem evidencia a importância de integrar mecanismos de avaliação desde o início, alinhando-se com o rigor do método científico.

TRÊS DESAFIOS FUTUROS

Definição de metas claras e mensuráveis 

Apesar dos avanços, ainda não foram formalmente estabelecidos indicadores de desempenho. A definição de metas como a percentagem de artigos com dados abertos ou a qualidade dos metadados será crucial para monitorizar o progresso e orientar decisões estratégicas.

Sustentabilidade e continuidade das ações 

A manutenção de formações regulares, a atualização do manual e a consolidação de práticas exigem investimento contínuo de tempo e recursos. Garantir a sustentabilidade destas iniciativas é um desafio que requer o envolvimento de toda a comunidade científica.

Cultura de Partilha ainda em construção! 

Embora haja sinais positivos, a partilha de dados ainda não é uma prática enraizada. É necessário continuar a promover uma cultura de abertura, onde os investigadores se sintam confortáveis, informados e apoiados para partilhar os seus dados de forma segura e ética.

CINCO QUESTÕES SOBRE GDI

Como define, implementa e avalia as práticas de gestão de dados de investigação?

No âmbito da promoção da Ciência Aberta e da melhoria contínua das práticas de gestão de dados de investigação, o ICArEHB tem vindo a desenvolver e aplicar estratégias que visam não apenas a implementação de boas práticas, mas também a sua avaliação sistemática.

A implementação tem sido conduzida através da formação contínua e do Manual de Ciência Aberta, que se encontra em fase de desenvolvimento e é um documento estruturante que reúne os conceitos fundamentais e orientações práticas, inclusivamente apresentando listas de verificação.

A avaliação das práticas implementadas é parte integrante do método científico e essencial para aferir o impacto das ações desenvolvidas. O ICArEHB tem adotado uma abordagem baseada em evidência, que inclui diagnóstico de conhecimentos, com aplicação de questionários antes e depois das ações para medir a evolução e identificar áreas que requerem reforço.  

Para além disso, está previsto para os próximos anos, a definição e objetivos mensuráveis qe permitam avaliar o progresso como, por exemplo, a quantidade de artigos que disponibilizam dados subjacentes, a qualidade e completude dos metadados associados, a adoção de licenças para reutilização, entre outros.

A definição e monitorização destes indicadores permitirá não apenas medir o que foi alcançado, mas também orientar futuras ações e investimentos. A gestão de dados não é apenas uma exigência técnica, mas uma componente essencial da integridade científica, da colaboração interdisciplinar e da valorização do trabalho de investigação.

Quais os principais benefícios dessas práticas?

Na área da arqueologia, os benefícios destas prática são particularmente acentuados, dada a natureza irreversível e destrutiva do processo arqueológico. Uma vez escavado um sítio, o contexto original perde-se para sempre, tornando a documentação e a partilha dos dados recolhidos não apenas desejável, mas imperativa.

Entre os principais benefícios da partilha de dados na arqueologia destacam-se, a validação científica (a disponibilização dos dados permite que outros investigadores reproduzam análises, confirmem resultados e explorem novas interpretações); a maior visibilidade e impacto (estudos recentes, inclusive na área da arqueologia, demonstram que a partilha de dados está associada a um aumento significativo no número de citações dos trabalhos publicados) e a reutilização e inovação (Dados bem organizados e acessíveis podem ser reutilizados em novos contextos, promovendo abordagens interdisciplinares e maximizando o valor do investimento científico).

A partilha de dados não é apenas uma boa prática — é uma exigência científica e ética. Ao promover a organização, documentação e disponibilização dos dados, a comunidade arqueológica garante não só a reprodutibilidade dos estudos, mas também a sua relevância futura.

Em que medida a gestão de dados de investigação contribui para a otimização do processo de investigação?

A otimização do processo científico passa, inevitavelmente, pela organização, sistematização e validação dos dados. Estes três pilares — organizar, sistematizar e comprovar — são fundamentais para garantir a robustez e a reprodutibilidade da investigação. No entanto, nenhuma destas etapas pode ser plenamente concretizada sem o acesso aberto aos dados.

Um exemplo paradigmático desta necessidade é o modelo dos hubs de síntese científica, uma abordagem já consolidada em áreas como a biologia e que começa agora a ganhar expressão noutras disciplinas. Estas iniciativas reúnem anualmente grupos de investigadores de todo o mundo que, de forma colaborativa, escolhem um tema específico e produzem sínteses abrangentes sobre determinado aspeto científico.

Recentemente, foi lançado o primeiro hub de síntese na Europa com foco em arqueologia e ciências humanas. Esta iniciativa, embora não seja exclusivamente dedicada à promoção de dados abertos, depende intrinsecamente da sua existência. A síntese científica — por definição — baseia-se na integração de múltiplos conjuntos de dados, oriundos de diferentes contextos, projetos e instituições. Sem dados disponíveis, a síntese simplesmente não é possível.

Que vantagens e condicionantes aponta na partilha de dados de investigação?

As vantagens são evidentes no campo da Arqueologia, mais ainda na Arqueologia pré-histórica! Quanto às condicionantes, as mais relevantes não estão necessariamente ligadas a quem produziu as evidências, mas sim à forma como o património arqueológico é gerido, regulamentado e tecnicamente suportado.

A partilha de dados arqueológicos deve respeitar a legislação em vigor em cada país, o que pode implicar restrições significativas. Um exemplo comum é a proibição de divulgação de coordenadas geográficas de sítios arqueológicos, com o objetivo de proteger o património de vandalismo, pilhagem ou exploração indevida.

Outro caso sensível diz respeito aos dados relacionados com enterramentos humanos. Na Europa Ocidental, a desconexão cultural com os antepassados permite, em geral, uma abordagem mais aberta à partilha desses dados. No entanto, em outras regiões do mundo, onde essa ligação permanece viva e significativa, é fundamental envolver as comunidades locais e obter o seu consentimento antes de qualquer divulgação. A consulta pública torna-se, assim, uma exigência ética incontornável.

A partilha de dados arqueológicos também enfrenta desafios técnicos relevantes. Um dos principais é o armazenamento de grandes volumes de informação, como modelos 3D de sítios arqueológicos, imagens de alta resolução ou bases de dados complexas. A infraestrutura necessária para armazenar e disponibilizar estes dados de forma acessível e segura nem sempre está disponível ou é financeiramente viável para todas as instituições.

Além disso, a proliferação de iniciativas e plataformas de partilha pode gerar confusão entre os investigadores. A diversidade de repositórios, normas e formatos — embora positiva do ponto de vista da oferta — pode funcionar como uma barreira à adoção, sobretudo para quem está a dar os primeiros passos. Esta fragmentação não constitui uma condicionante intrínseca, mas representa uma limitação prática que deve ser reconhecida e abordada com estratégias de orientação e formação.

De que forma os diferentes atores envolvidos no processo de investigação estão comprometidos com a gestão de dados de investigação?

A construção de uma cultura de partilha de dados na investigação científica exige o envolvimento ativo de múltiplos atores e um compromisso coletivo com os princípios da ciência aberta. Na área da arqueologia, este movimento tem vindo a ganhar força, com sinais claros de sensibilização e ação concreta por parte de centros de investigação, universidades e agências de financiamento.

Os investigadores desempenham um papel central na criação desta cultura de partilha. Embora este compromisso ainda esteja em fase de consolidação, começa a observar-se uma crescente sensibilidade para a importância da disponibilização de dados. Na Universidade do Algarve, por exemplo, dois centros de investigação manifestaram, por iniciativa própria, interesse em desenvolver políticas internas de partilha de dados, refletindo uma mudança de paradigma.

Como parte deste esforço, está prevista a nomeação de dois datastewards, responsáveis pela implementação e monitorização de uma política institucional de gestão de dados abertos. Esta medida visa garantir que todos os investigadores estejam alinhados com boas práticas e que a partilha de dados seja integrada de forma estruturada nos processos de investigação.

Mas também as agências de financiamento têm um papel determinante na promoção da partilha de dados, tanto através da regulamentação como do financiamento direto de infraestruturas e formação. Embora ainda haja caminho a percorrer, verifica-se um bom alinhamento entre as exigências das agências e os princípios da ciência aberta. O reforço deste papel poderá passar por uma maior clareza nas orientações, apoio à capacitação técnica e incentivo à adoção de plataformas comuns.

A arqueologia tem especificidades na preservação e partilha de dados de investigação?

Como pode um Centro de Investigação implementar uma política de GDI concertada?

Como criar uma cultura de Gestão de Dados junto dos investigadores/as?

PROJETO

ENTIDADE

INVESTIGADOR
ENTREVISTADO
O INVESTIGADOR RESPONDE
(Vídeo disponível em breve) 
CINCO QUESTÕES SOBRE GDI

DOMÍNIOS CIENTÍFICOS

Humanidades e Artes

ETAPAS DO CICLO DE VIDA DOS DADOS

Partilha

Preservação

DATA DE RECOLHA

Maio de 2025

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